a última vez


Já tinha passado algumas semanas, depois que ele havia desaparecido da vida dela, tão repentinamente, como tinha chegado

Naquela noite quente de verão da cidade carioca, ela estava em casa, no chalé que chamava de lar. Depois de um dia cheio de planilhas e relatórios, telefonemas, reuniões e de várias cobranças, quando ela finalmente chegou em casa, tudo o que queria era descansar. Esquecer por instantes, a quantidade insistente de mensagens e dos e-mails. Ficar em modo avião para o mundo todo.

Como de costume, tomou um longo banho quente, hidratou os cabelos, o corpo com um creme com cheiro de frutas vermelhas, vestiu uma lingerie confortável e uma camisa branca, colou o resto do vinho tinto em uma taça, pensou em desligar o celular, mas hesitou, deixou de bruços na mesinha do lado da cama, procurou o romance de sempre no youtube (Antes do Adeus), deitou-se e o celular tocou. Nos primeiros toques, tentou evitar o impulso de desvirá-lo para ver quem era, porém, acabou não só olhando quem estava ligando, como atendendo a chamada.

Do outro lado da linha, estava ele. Com aquela voz que ela reconheceria até em cem mil anos. Do homem, que tinha lhe roubado o coração, a sensatez, a prudência com apenas um olhar. Que fora como uma flecha certeira ao alvo. Sempre sabia exatamente o que dizer, como expressar, como se aproximar, o segundo exato de quando tocar e rendê-la. Ele, que em dias contados na ponta dos dedos, já tinha conseguido arrancado todas as suas verdades, anseios e impressões da vida.

Aquele dia, dentre todos da sua rotina agitada de empresário, tinha sido superficial. Ele estava disperso demais para se concentrar de verdade em qualquer coisa que fizesse. No entardecer, ele decidiu ir de bicicleta cortar o cabelo. Quando procurou seu cabeleireiro de anos, perto do seu apartamento em Ipanema, soube que ele havia se mudado. Agora, atendia no Shopping em Botafogo. Foi, quando todas as lembranças dela, escaparam-lhe à luz dentro dele. Ela estava tão perto, ele sabia. Pensou, se ela estaria em casa, há apenas dois quarteirões dali.

Enquanto o homem cortava o cabelo ele pensava nela, no que estaria fazendo, vestindo, sentindo, do quanto sentia saudade do cheiro, da cor do cabelo, da pele dela… Saiu agitado do salão, pegou a bicicleta e pedalou sem muito destino, tentando aquietar seus pensamentos, parou e entrou na cafeteria do outro lado da rua, a mesma que ela o tinha confessado que amava e que sempre parava para tomar um cappuccino. E nesta avalanche de coincidências e possibilidades, com os pensamentos nela, com tudo que sabia dela, ele não pode mais se conter, sentou-se na mesa mais distante de todos no mezanino. Pediu uma cerveja e não um café. Revirou as redes sociais dela. Outra cerveja. Digitou na tela do celular, diferentes mensagens, diversidades de textos que dissesse à ela o que ele sentia, mas por fim ele ligou.

Com o jeitinho (sagaz) ele a convenceu de ir vê-lo. Naquela noite, ele dissera que não fora capaz de evitá-la. Com palavras bem convincentes, pediu desculpas pelo sumiço repentino, pela falta de notícias e justificativas. Começou a dizer que estava tentando entender, aquela atração e vontade absurda que tinha por ela. Que estava testando as suas resistências. Que tudo o que estava sentido era novo. Que tinha tentado não a procurar mais, mas naquele instante, estava com os impulsos a flor da pele, como uma crise de abstinência, ele precisava vê-la, precisa tocá-la, precisava dela.

Ela não interrompeu o discurso agoniado dele. Não conseguia entender o porquê daquelas palavras. Não conseguia entender, sequer o afastamento. Já tinha procurado possíveis explicações para justificar o distanciamento dele sem explicação. Não estava magoada. Tinha concluído, que ele só podia ter se cansado dela, que não estava interessado e bola pra frente, por mais que ela o quisesse muito, tanto que não podia explicar. Não entendia a sua agonia. Só entendia a palavra saudade, pois isso, ela também tinha nela. Não procurou motivos para negar o encontro, até ali, ela não tinha motivos para evitá-lo.

Subiu ao mezanino daquela livraria e o encontrou com uma aparência ligeiramente abatida, como alguém que sofre por estar ali, mas não sabe como não está ali. Ele levantou-se para dizer Oi. Em seguida, o garçom apareceu oferecendo o cardápio e ela pediu um vinho. Ele começou a passear com os dedos nos braços dela, indo ao pescoço, afastando a camisa que vestia, acariciando a parte superior dos seios, subindo e descendo, ele não sabia como dizer. Às vezes, levantava o olhar, tentando encarar os olhos dela, mas logo os evitava.

Ela respeitou o seu silêncio. Deixou tocá-la no limite que o espaço lhe permitia. Depois ouviu suas tentativas de compreensão sobre algo que ele afirmava ser para ele incompreensível, sobre o que ele dizia não saber lidar com a força que o atraia para ela. O coração dela, estava apertado. Sua intuição berrava dentro dela como uma sirene de ambulância que corta a cidade enfurecida. Com a libido aflorada e ao mesmo tempo com medo do que estava por vir de sua boca, ela interrompeu aquele discurso confuso e pediu: “Por favor, fale logo a verdade, que escondeu de mim, mas agora já não pode mais esconder”, e ele falou.

Como alguém, que vindo por trás, enfia uma faca nas costas do outro e não satisfeito, empurra ainda mais, tentando atravessar todas as camadas de pele, dos órgãos até sair do outro lado, assim, fez a revelação que ele a fizera, que cortou o peito atravessando tudo o que ela tinha por ele, até chegar do outro lado, do que ela sabia que tinha que ser, um definitivo, adeus. As palavras desapareceram dela. As lágrimas escorreram no rosto. Ele tentou abraçá-la, conter o choque ou que quer que fosse aquilo. Implorou o seu perdão. Confessou, nunca ter feito algo assim antes, que nunca tivera a intenção de ser desleal com ela e nem com a mulher que o aguardava em casa.

Beijando sua mão tremula, subindo pelo braço, pelo pescoço, passeou com os lábios por seu rosto, até que encontrou lábios dela de novo. A beijou, como se os seus lábios beijassem sua alma e ela, mesmo com todas as resistências que cresciam por dentro, naquele instante não teve forças para se afastar. Ele insistiu por acompanhá-la até a sua casa. Sem som, assentiu. Entrou. Não hesitou ao tirar-lhe a calça, a lingerie, a desbotoar botão por botão de sua camisa, a passear com os lábios, com as mãos, com a pele, cada centímetro do corpo dela. Fizeram amor ali mesmo, no tapete, no meio da sala, apressado, impaciente, primitivo, incansável, como se não houvesse amanhã e tão pouco, houvesse as verdades ditas nos minutos anteriores.

Quando toda aquela sede de um pelo o outro, saciou-se. Ela com a voz embargada, quase inatingível, as pernas bambas, uma dor dilacerante no peito, fracassando, na tentativa inútil de conter as lágrimas, pediu-lhe para sair.

Ele saiu. E ela trancou a porta.

Por: Francielle Santos

(Foto: Reprodução / Chuvakhin)

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