
Se ela fosse descrevê-lo como uma unica palavra, diria: atrevido.
Era isso o que ele tinha sido na noite em que se conhecerem: um homem atrevido. Como ele ousará ter segurado o braço dela daquele jeito? Que direito ele tinha para apertar o seu pulso? Interromper os seus passos? Como um malandro que irrompe o caminho para assaltar-te os bens. E ele, sem dúvidas, estava ali, as saltando-lhe os olhos, o riso, a atenção. O que mais tarde, seria também roubar-lhe as mãos, os cabelos, o corpo, o coração dela. Uma felicidade impagável. Paixões, são isso, uma felicidade impagável!
Quando ela sentiu aquela mão, segurando-lhe o punho, teve ímpetos de raiva. Quem ousará pôr as mãos nela daquele jeito no meio de uma festa. Oras, ela lhe falaria umas boas verdades. Em meio a tanta gente, tinha que segurar justo o braço dela? Filha da p…! Contudo, quando se virou para ver quem lhe segurava, arrancando de imediato seu braço daquelas mãos com a mesma força de quem lhe prendia, faltou-lhe ar nos pulmões para esbravejar como pensará. Faltou-lhe tudo para impedir aquele rompante de vida. Algumas paixões, são como um rompante de vida, de ar, de chão.
Tudo o que pode fazer, foi levantar seu dedo indicador da mão direita e lhe pedir um minuto e entrou no banheiro. Olhou-se no espelho. O rímel levemente borrado das lágrimas que lhe escaparam no balcão do bar, enquanto virou duas ou uma ou quatro doses de vodka, algo que naquele momento de fato não se lembrava. Considerou sair dali direto para o caixa e depois entrar um taxi que a levasse. não sabia bem para onde, mas naquela altura, qualquer lugar bastava.
Mas saindo pela porta, o viu de novo, atento a sua espera. Apesar de todas as merdas, ela era uma mulher de palavras. De certo modo, tinha “prometido” voltar em um minuto. Bem verdade, que já deveria ter passado uns dez, mas o que isso importava. Há paixões que esperam, mesmo quando acreditam que o outro não vai voltar. E ele a esperava, mesmo não tendo muito para dizer. Ele nunca sabia o que dizer. Era péssimo com as palavras. Por isso, a conversa foi basicamente algo assim:
– Pronto. Pode dizer o que quer agora.
– Qual seu nome?
– Saber o meu nome fará diferença?
– Não, não fará. Quantos anos você tem?
– Isso importa?
– Não, não importa. Dança comigo?
– E você sabe dançar?
– Não sei, mas preciso.
Ele precisava. Como? Por quê? Ninguém se atreveria a dizer. E eles dançaram a noite inteira. Ele não mentiu quando disse que não sabia dançar, pois pisou no pé dela vezes demais para contar. Também não disseram muitas palavras. Entre uma pausa ou outra, uma curiosidade respondida ou outra bastava. A dança, gera intimidade às vezes, sem precisar pronunciar palavras que provem as coisas. Ele há tinha nos braços. Entre um rodopio e um chega junto dos braços que a contornavam a cintura. Aquela cintura dela, que ele só conseguia imaginar nua.
O riso dela, entre uma música favorita ou outra. Os homens no palco que pareciam ter escolhido a playlist dela para tocar. Óbvio, que ele não sabia nenhuma daquelas músicas. Nem daquele estilo gostava. E ela se perguntava, o que diabos ele estava fazendo em lugar como aquele. O cara, nem beber, bebia. Mas o que isso importava. O que importava era a pressão da mão dele, um pouco mais abaixo do meio das costas. A outra a segurar-lhe com tamanha precisão, que se não fosse a lógica, juraria, ser perfeito para ela. O cheiro da camisa. O cheiro da pele. A força dos braços se contraindo entre um giro e outro no meio do salão.
Como não sabiam como falar ou que falar. Dançaram o resto da noite. E da dança, a intimidade. Intimidade esclarecida no banco de trás do carro, o vidro suado, com as marcas da pele, os rastros da sede dos corpos, às quase seis da manhã, na Rua Quatá. Intimidade desenhada na cama, roupas pelo chão, lençóis e cabelos emaranhados, suspiros longos ao pé do ouvido, em uma pousada perto do pier em Bertioga, quatro semanas depois.
Intimidade, escrita dia a dia, entre uma discussão e outra, pedidos de desculpas concluídos na cama e algumas noites dormidas no sofá da sala. Entre um almoço de domingo com a família dela, outro domingo com a família dele. Segredos. Desentendimentos. Planos à dois, meses depois. Intimidada cultivada, nos abraços apertados, nos beijos demorados e nos selinhos entregues nas saídas, nas chegadas, no meio do corredor, na fila do cinema… No desejo incendiado no elevador, no amor no chuveiro, nos cafés do amanhã aos sábados, nas madrugadas no pronto socorro, nas surpresas no trabalho, na impaciência nas filas do mercado. Nunca mais dançaram como naquela noite. Nem precisavam. Tinham todo o resto.
Por: Francielle Santos
(Foto: Reprodução / Pinterest)