
Ouço aquelas vozes familiares, ouço as palavras que me torturam. Ouço tudo desmanchar-se em minha volta. Sinto o meu corpo tremer. Sinto o meu coração acelerar impulsivamente e em segundos desacelerar como se fosse parar. Percebo os meus lábios travarem e a garganta secar. Percebo o embargar no meu peito. Prevejo lágrimas. Fecho os olhos e respiro profundamente, uma, duas, três vezes. Ouço a minha voz interior me dizer: “tenha calma, aguente só mais um pouquinho“. Sinto o molhar escorrer pelo meu rosto, respiro, respiro, respiro e enfim, abro os olhos.
Tudo está igual, mas nada é como antes. E na maioria das vezes eu simplesmente não sei lidar. As palavras desaparecem da minha boca. Meu cérebro parece ser incapaz de formar uma frase sequer, mesmo que seja um berro. Supostamente, eu deveria estar reagindo. Eu deveria conseguir levantar da cadeira, nem que fosse para fazê-lo calar com um olhar. Mas me sinto fraca demais para sequer encarar meu acusador. Então cerro os meus lábios, engulo qualquer letra e durmo.
A verdade é que somos capazes de sobreviver os dias, principalmente os dias maus, pois acreditamos que haverão dias melhores. Que o inverno é passageiro, o verão vem chegando logo ali. Que por mais que o dia esteja nublado e chuvoso, o sol sempre voltará a surgir no horizonte.
Eu creio. Preciso acreditar para ao menos me manter sóbria.
O pavor de perder o resto de dignidade que me resta me apavora mais que qualquer coisa. Sei que não posso chegar tão perto do abismo de novo, não sei se terei coragem de salvar-me de mim mesma outra vez. Eu não sei o que será. Nunca sabemos enfim. Apenas sei, que aqui tenho pouco tempo de vida e ainda que pareça absurdo, sou eu quem precisa salvar-me.
Sinto constantemente a dor de perder pessoas que amo. Me sinto absurdamente culpada por magoá-las e decepcioná-las, ainda que não seja nem de longe a minha intenção. Duas décadas de toda a minha vida, tentando ser a melhor filha, melhor irmã, melhor estudante, melhor serva, melhor funcionaria, melhor amiga, melhor namorada… e obviamente, fracassei em todos elas. Mas tudo isso, me tirou mesmo a competência de ser a melhor comigo mesma. E pra quê ?
Não que eu tenha sido a pessoa perfeita (longe disso), mas do que adiantou escrever uma história que fosse mais adequada e desse orgulho à todos, se no fim, eles só são capazes de falar dos meus fins? Li uma vez em algum lugar, algo que dizia, que não importa quão honrosa e bonita tenha sido toda a história de um homem, depois do seu fim, todos se lembrarão dele como foi nos últimos ou no último dia.
De repente, eu me vi incapaz de contracenar qualquer papel antigo das eu’s que era conveniente à todos que me cercavam. Não tinha motivos. Não fazia mais sentido. Eu tinha perdido tudo o que eu tinha construído sozinha por mim, dentro de mim. Não tinha mais vitalidade. Como uma chama, eu tinha me apagado.
Dois anos de merda, me debatendo como um peixe fora d’água, tentando insaciavelmente e simplesmente sobreviver, pois parecia eu não mais merecedora ou capaz de viver a vida que sonhara. Eu não fui capaz de esconder. Não fui capaz de negar o meu sofrimento. Fui incapaz de explicar.
E agora é dessa eu que eles falam. É das minhas feridas que se lembram. É sobre os meus surtos que se comenta na mesa. É pelos meus fracassos que sou conceituada e definida.
[releitura do texto de 03.08.2018]
Por: Francielle Santos
(Foto: Reprodução / eBaumsWorld)