
Acreditara que era forte, insistente, resiliente e qualquer outro sinônimo dessas palavras, mas cá entre nós, quanta tolice acreditar nessas crendices vãs de uma vida aparentemente fútil.
Uma certa vez, em mais uma quarta-feira à tarde, de uma semana qualquer, de um mês qualquer, daquele ano “x” de sua vida, ela tinha pouco, muito pouco à dizer para ocupar aquela uma hora de sessão. Longos sessenta minutos que pareciam não ter nunca um fim. Mantinha o seu olhar distante, perdido entre os enfeites da mesinha de lado entre sua poltrona e a do seu terapeuta. Com as pernas cruzadas para controlar a insistente necessidade de sacudi-las e suas mãos inquietas que apertavam uma a outra sob o colo (quando a voz se cala e o corpo literalmente grita).
Foi a voz do terapeuta que rompeu o silêncio e lhe perguntou mais uma vez de outras tantas o que tanta ela evitava. Ela por sua vez, tentou levantar o olhar, mas se viu indefesa a qualquer que fosse a ameaça; conhecedora daquela insistente interrogação, sempre mal respondida e entre tantas mil respostas, somente deixou fluir tudo aquilo e disse: “ Evito ser vulnerável, definitivamente não gosto dessa sensação” e em seguida se viu engasgar por aquela ânsia, como um refluxo de lágrimas que fica preso na garganta e te impede de continuar a falar. E só há duas opções ou vomita toda aquela merda de sentimento maltrapilho ou engole e sente aquele gosto azedo do fracasso descer pela garganta a dentro e voltar de onde não deveria ter saído. E dane-se a urgência do organismo de expelir tudo aquilo.
Lembro do olhar compenetrado do meu terapeuta ao assistir a minha relutância contra tudo aquilo e sua sutileza em afirmar: “Fran, ser vulnerável é o que te faz ser humano! ”, respirei profundamente.
Eu entendia tudo aquilo e concordava com tudo que era, o que tinha sido, o que se fazia ser e o que insistia em tentar ser. Também entendia, que quando mais era compreendia mais eu estava apta para sentir – sentir tudo o que eu temia (tolices, é claro!). Há de se dizer que ser ignorante é estar mais seguro de seus monstros. (mais tolices!)
É que quanto mais fundo cavamos dentro de nós, mais sujos ficamos de lama, mais insetos repugnantes se encontra, mais lixo se retira e tudo em volta parece ter um odor podre. E talvez, este é o sentido irrevogável, o ser preciso se sujar primeiro, para depois, só depois estar limpo.
Cavar-se é um caminho sem volta.
[releitura do texto escrito em 10.01.2018]
Por: Francielle Santos
(Foto: Reprodução / Big Cartel)
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