
Acreditar. Somente acreditar com todo o meu coração, com todas as minhas forças vitais que restam, com todo o poder do meu cérebro de criar as cenas possíveis da realidade dos meus sonhos, com toda fé e amor da minha alma. E como se não bastasse, escrever e descrever em detalhes cada passo seguinte… pré e durante a jornada do sonho, mesmo que eu ainda não tenha o controle do meu próprio destino
Acreditar ainda que pareça tolice, me mantém viva. Me faz levantar de manhã apesar de todas as falências que meu corpo apresenta. Enfrentar a briga diária entre a racionalidade e a crença de: “é só mais um dia, vai acabar logo. Hoje vai ser o dia do milagre. Algo grande vai acontecer e mudar essa constância deprimente. Vamos lá, se esforce. Levante. Levante. Levante.” No fim, a única coisa que realmente me tira quase que me arrancando da cama é o sonho: a existência permanente na minha mente de que ele já é real. Que ainda que existam um milhão de probabilidades que dizem que não, minha mente insiste: Há um milhão e um de probabilidades que dizem sim.
“SIM. SIM. SIM seu sonho é real“, aminha mente repete incansavelmente todas as manhãs. Como se usasse de argumento para me manter de pé enquanto levanto, escovo os dentes, tomo banho, visto uma roupa qualquer e caminho até a loja. Um percurso de vinte minutos quando caminhar parece ser um esforço que as minhas pernas parecem não aguentar e mesmo querendo desesperadamente voltar para cama, caminho persistente, olhando para o céu e suplicando: “por favor, por favor, por favor realize o desejo do meu coração.“
Acreditar, ainda que pareça birra de criança mimada, me mantém tentando fazer alguma coisa. Mesmo que esta coisa já não faça mais nenhum sentido. Aceitar o “trabalho” na loja do meu pai foi sobretudo uma troca de ajuda. Eu precisava sair de casa, ter algum meio de ganhar algum dinheiro e meu pai precisava dar férias prolongadas à minha mãe. Fosse por qual fosse as ambas necessidades, no fundo eu sabia que era um erro. Voltar para o lugar que eu quis tanto sair e até jurei nunca mais voltar, era um equivoco. Mas o que é um equivoco desses para alguém que não conseguia mais fazer nada?
Embora fosse uma tortura, era a minha salvação. E sabe-se lá que sentido pode haver nisso, mas acreditar que eu recomeçaria mesmo que no meio dos espinhos, me daria tempo. Acredito no tempo que eu preciso para recomeçar.
“Seja forte e gentil” cantarolei em meio às lágrimas diversas vezes no banheiro. Acreditar no tempo, apesar de o tempo ser sobretudo certeiro tem sido uma tortura em dose dupla. Porém, acreditar que o passar do tempo me trará a primavera, me mantém sóbria. Pois não poucas vezes, me vi perder a sanidade. Meu corpo inteiro desmanchar. Faltar o chão debaixo dos meus pés. Ter tempestade nos meus olhos e a minha mente escurecer. Eu me vi desfalecer quase como se fosse uma telespectadora de um espetáculo dramático na primeira fila. E pior do que assistir, foi não poder fazer nada. Então esperei o tempo passar, horas, dias, semanas inerte a tudo e recomecei outra vez, de tantas outras.
Acreditar mesmo sendo muitas vezes abstrato e complexo, me permitia recomeçar tudo outra vez. Então levanto, troco os lençóis da cama, arrumar meu armário entulhado, reorganizo os tantos papéis pela cômoda, escrivaninha e gavetas. Jogo mais da metade no lixo, tiro peças para doação, limpo tudo, faço um chá, sendo novamente em frente ao meu computador e refaço todas as planilhas. Com minha agenda e um tanto de papeis reescrevo os próximos passos, defino novas metas. Coloco em ordem de afazeres, defino detalhes, viagens, cor dos móveis, o restaurante para comemorar o recomeço. Checo as possíveis reservas, pesquiso o tal lugar dos meus sonhos de pouso, mando e-mails para escolas e universidades. Logo um sorriso sincero aparece na minha face. Sinto o frio na barriga (borboletas no estômago – como dizem) de tanta excitação. Refaço uma, dua ou três vezes, para ter certeza que não esqueci nada. E tudo faz absolutamente todo o sentido do mundo.
Acreditar fielmente na realização, me mantém sonhando apesar de tudo. Como se fosse uma peça ensaiada, sei exatamente na minha cabeça tudo o que tenho que fazer, antes, durante e até depois. Cada marcação, muito bem registrada e guardada em minha mente e coração. Sinto todas as possibilidades revigorar meu corpo. Não sinto dores, irritação, medo, fracasso ou rejeição. Sinto tudo se realizando dentro de mim. Como se estivesse a beira da plena felicidade de finalmente ter o sonho se realizando como tanto sonhei. Meu coração bate forte no peito, os olhos brilham, minha boca continua a sorrir espontânea. Tudo é enfim real. Acordo.
Sinto que não tenho muito tempo. Acreditar que o sonho será real, ainda que eu não saiba como realmente será… mesmo que eu esteja contando desesperadamente com a sorte de um dardo lançado no escuro a uma distância do alvo do qual eu não faça ideia, me mantém sobrevivendo os dias de inverno. Inconstante é bem verdade. Às vezes, mandando mensagens à estranhos que talvez me dê uma uma luz. Reenviando e-mails. Re-estabelecendo contatos. A espera do grande dia para começar de fato.
Acreditar de certo modo é isso: torcer para ainda viver o grande dia de realizar o que está queimando no peito.
[releitura do texto escrito em 02.08.2018]
Por: Francielle Santos
(Foto: Reprodução / Paradox)