
Lembro bem do dia que eu silenciei. Logo eu, que sempre tive um milhão de histórias para contar.
Era outro sábado comum da nossa rotina. Fui no salão, fiz o cabelo, as sobrancelhas e as unhas. Você me ligou no meio da tarde, disse que estava com saudade e contando os minutos para eu chegar. Perguntou pela milésima vez se não precisava mesmo vir me buscar em casa, e eu disse que não e que quando chegasse na estação te avisava para você me encontrar. Chamei um Uber. Peguei o trem, o metro. Atravessei da zona sul a zona leste, mas isso não me importava, uma semana sem te vê qualquer distância à percorrer para te encontrar era nada. Como combinado você me encontrou na estação. Me abraçou como nunca! Me beijou como nunca! E era sempre assim, sempre mais e melhor que da última vez. Caminhamos de mãos dadas, falando de bobagens até o seu prédio. Apertei a mão do Sr. Zé na portaria. Subimos abraçados no elevador do térreo até o 12º andar. Entrei no apartamento que já sentia como meu. Tirei o tênis. Lavei as mãos. Guardei as minhas coisas no quarto. Coloquei uma roupinha mais leve. Preparei um café na cafeteira que você tinha comprado pra mim. Deite na cama dentro do seu abraço.
O silêncio daquele começo de noite perdurou por alguns bons minutos. Entre uma respiração e outra, um beijo na minha testa, um afago no meu cabelo, o passear dos meus dedos no teu peito. Silêncio. Silêncio. Silêncio. E então, você me perguntou se eu não tinha nada para falar e todo aquele silêncio pareceu se tornar constrangedor. Tentei pensar em alguma história para preencher o espaço que parecia surgir entre nós, mas quanto mais eu pensava, mais eu percebia que já tinha lhe contato tudo. Na relação, eu era a tagarela e você o calado, não era. E foi ali que eu percebia que eu tinha gastado todos os meus arquivos e que sentia falta de ouvir. Tem coisas que não fazem muito sentido de cara, mas naquele momento eu me senti falhando com a gente, como se a responsabilidade de fazer barulho fosse só minha.
Depois dali, o silêncio começou a aparecer em outros lugares e momentos entre nós. No carro entre o ir ali e acolá. Na caminhada até a casa da sua avó. Na sofá da sala na casa dos meus pais. Na cama, nas manhãs preguiçosas de domingo. Eu não conseguia entender como antes sempre tínhamos o que conversar e agora, parecíamos estranhos demais para falar sobre tudo, ainda que fosse as coisas mais bobas. Não demorou para ao silêncio aparecer na troca de mensagens, nas hesitações nas ligações durante a semana. E Deus sabe, que eu sempre amei o nosso silêncio entre uma história e outra, um beijo e outro, entre um orgasmo e outro, mas aquele silêncio me doía a alma. Comecei a buscar o que falar só para ocupar o espaço, porém quando a troca não é natural, esgota as energias, desgasta o que parece ser intocável.
Eu queria mais. Eu queria te ouvir. Eu queria que você me contasse histórias. Eu queria rir das suas piadas. Eu queria questionar o seus pontos de vista. Eu queria viajar nas tuas ideias. Eu amava o teu silêncio, mas eu queria conhecer e amar também o teu barulho. Foi quando eu percebi também, que você não conseguia lidar com o meu silêncio. E como te dizer que eu era tagarela tanto quanto eu também era uma pessoa silenciosa? Eu senti o peso da sua cobrança por palavras, em dias em que tudo o que eu queria era te ouvir. Acho que é nessas coisas que falam que o amor é uma via de mão dupla, cada um da um pouco do que tem para manter as coisas equilibradas. Eu já tinha te dado todas as minhas palavras.
Lembro daquele domingo, quando me deixou em casa, me segurou pelo braço e disse que eu estava diferente, que eu não conversar mais, que eu não dividia mais nada. Eu não retruquei. Você tinha razão. Olhei nos teus olhos e tudo o que pude responder foi: “eu te amo, isso te basta?“, você retrucou: “não, mas vou tentar dar um jeito!” mas você não deu, eu também não tentei mais e do silêncio o fim de qualquer tentativa de vencê-lo.
Por: Francielle Santos
(Foto: Reprodução / Anna Caitlin)