na defensiva

Sabe, eu não me dei conta que estava na defensiva e também, não fiquei assim da noite para o dia. Ninguém muda radicalmente da noite para dia. Como tudo na vida, foi um processo, doloroso, triste e com algumas boas cicatrizes. Só percebi que estava assim, quando eu estava quase por perder um homem incrível, que a vida tinha trazido para o meu caminho.

Uma romancista nata e por mais realista que eu também fosse, não esperava tantas rasteiras, tantos quases, tantas saídas e algumas delas (a maioria delas) sem nem um tipo de “adeus”. Era foda!

Lembro de um romance de uns anos atrás, que a última vez que o vi, ele se despediu de mim no portão da casa dos meus pais, com um beijo tão caloroso daqueles que dá vontade de tirar a roupa na garagem mesmo, elogiou o meu sorriso, passeou com os dedos no meu rosto e disse que amava os meus olhos castanhos, lembro das últimas palavras (a gente nunca esquece as últimas palavras): “até amanhã, moh!“, eu respondi: “até amanhã, vida! E não esquece de me avisar quando chegar em casa.” Ele entrou no carro, ainda me mandou um beijo e saiu. Me avisou quando chegou em casa por mensagem, desejamos boa noite e no dia seguinte, ele já não existia mais. Lembro dos meus pais perguntando por ele, até o meu irmão sentiu falta, mas eu não sabia o que dizer, ele não respondia, não atendia e quando comecei a ter paranoias de que podia ter acontecido o pior (tipo um acidente, tava no hospital, sei lá.. pensei barbaridades), ele finalmente e simplesmente respondeu dizendo que precisava de um tempo. Muitos dias depois. Eu nem tive espaço para chorar.

Essas coisas vão mudando a gente sem querer. Continuamos amigos depois de um tempo, a gente se entendeu e tudo, mas não dá para dizer que eu continuei a mesma. A cada decepção grande ou pequeninha a gente vai sofrendo mutação. É inevitável! Sabe aquele ditado: “errar uma vez é humano, duas vezes é perdoável, agora três já burrice“, pois então, eu já tinha superado as três. Diferentes tentativas de amar e dar certo, mas aí chegou um tempo (a fria e calculista maturidade), que eu não me permitia mais cometer os mesmos enganos. A cada dia mais criteriosa, mais desconfiada, mais fria, se posso assim dizer.

A garganta fecha e a gente não engole mais qualquer frase pronta (a gente conhece todas de cor e salteado), a gente só faz de conta que é a primeira vez em algumas momentos. Mais do que isso, eu aprendi os truques e aprendi a aplicá-los melhor que eles (modéstia parte). A gente apanha tanto, que aprende a se defender e a bater igual ou melhor. Por um lado era bom, eu me mantinha sempre em alerta e em segurança. Agora, era eu quem fechava a porta, quem sumiu por dias e esquecia (ou não fazia mais questão) de avisar. Eu fiquei assim por muito tempo.

O tempo passou e a vida me surpreendeu de novo. Sutil, colocou um novo alguém no meu caminho. Ele, um espelho que refletia meu lado valente e tentava me mostrar o lado doce da menina que acreditava no amor a qualquer custo que eu já tinha sido. O cara mais insistente e mais inovador.

Ele me dizia frases novas, tão novas que eu não sabia direito como responder de bate pronto, precisava de uns segundos para caçar nos meus arquivos uma resposta para não dar mole. A gente conversa de igual para igual, ele não era o tipo de homem que tentava ser maior do que eu ou fazia de conta que era muito menor só para me agradar. Era olho no olho na mesma altura. Não era machista ao ponto de não respeitar o meu posicionamento. Não era feminista ao ponto de não ser cavalheiro. Sentávamos em alguma mesa da calçada da Voluntários da Pátria e perdíamos a hora conversando, brigando e rindo sobre tudo. A gente era meio gato e rato, o que dava muito certo.

Eu nem percebia, mas ele apanhava e muito de mim. Era cada pisada bruta, cada resposta atravessada, quando eu me sentia levemente constrangida. Sem falar nos foras diretos, eu nem pensava em dar um jeitinho no que dizer, era sem filtro. Ele ria e às vezes, ficava tão puto que fazia que ia embora, mas nunca ia de verdade sem antes ter a certeza que eu estava bem. Penso, que quem via de longe achava que podia até ser meu irmão, de tanta intimidade e tanto estranhamento. Ele era meu amigo, que não escondia de mim as verdades que via, mas as dizia sem me maltratar.

Chegou um dia, que eu comecei a pensar que ele poderia estar fazendo o tipo que não desisti até conseguir o que quer, pensava: “ É uma fachada. O dia que eu ceder ele muda“. Testei a teoria, lindo daquele jeito eu não tinha nada para perder e queria bater no peito e provar que eu estava certa. E eu estava lidamente errada, noites e mais noites em que ele literalmente me rendia. Quando dei por mim, eu tinha baixado totalmente a guarda e dessa vez, aquele a quem eu entregava o meu coração não sumia no dia seguinte.

Mesmo com a minha defensiva abalada, o medo correu nas minhas veias. Negar que você não tem medo de que traumas do passado aconteçam novamente, é o mesmo que deitar de conchinha com o inimigo e fingir que ele não vai te roubar a vida. E acredite, na primeira oportunidade ele vai te roubar a vida e te tirar pessoas que valem a vida toda.

Eu tive tanto medo dele me decepcionar, que eu preferia decepcionar ele primeiro do que o contrário (e isso foi tão louco!). Eu dei muito trabalho no começo da relação, mas o que fez toda a diferença, foi a liberdade de contar a verdade. Tudo mudou no dia que eu não baixei só a guarda, mas rasguei o peito e contei tudo. Tudo o que passava na minha cabeça. Tudo o que eu achava que podia dar errado. Tudo o que mesmo que sem querer, eu esperava que desse errado. Ele ouviu. Ele me olhou nos olhos. Ele me beijou a face salgada das lágrimas. Ele me amou ainda mais.

Mais do que estar na defensiva, o que torna a vida segura mesmo, é a capacidade de dizer e ser de verdade para alguém de verdade.

Por: Francielle Santos

(Foto: Reprodução / Birty Boots & Messy Hair)

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