
Só tinha restado cinzas. O porteiro interfonou, avisando que você estava no portão e como uma brasa morna, bastou uma fagulha tua para tudo pegar fogo de novo.
A primeira coisa que me passou na cabeça naquele momento e em todos os outros que você voltou com essa sua cara lisa, maquiada de arrependimento foi: “Diga que eu (morri) não estou!“, mas os que escapava pelos lábios todas as vezes: “Pode deixar subir” e você subia.
Os minutos de espera entre você passar pela portaria, atravessar o pátio do meu condomínio, caminhar pelo hall do meu prédio, entrar no elevador e subir os 19º andares, eu ficava ensaiando aqueles discursos já providenciados no chuveiro, cheios de verdades, dosadas com bastante ironia para te mandar embora, com a mesma facilidade que te deixava entrar.
Então eu abria a porta…
E você nunca me dava tempo nem de fecha-lá atrás de nós. Arrancava o meu ar e me devolvia a vida com um beijo, sem pensar duas vezes. E todo o meu discurso desaparecia como se nunca houvesse existido. Não só o discurso pronto, não é ? mas todas as minhas certezas de que não te queria mais, assim como cada peça que me vestia que ia caindo pelo chão uma a uma. Tu entravas e todo as mágoas, saudades, incertezas sobre nós saiam pela porta.
Entre um amor e outro, aquelas promessas que eu já conhecia de cor e salteado. Que acreditei tanto e continuava acreditando, mesmo que agora eu tivesse mais sobriedade para ouvir e também duvidar. Parecia principio de loucura acreditar e duvidar tanto na mesma coisa ao mesmo tempo, mas você, com certeza, trazia a tona as minhas insanidades, tanto quanto me curava delas.
Por vezes, eu só queria mesmo era te mandar ir embora da minha cama, da minha casa, da minha vida e acabar logo de uma vez com aquilo que eu sabia que ia acabar, fosse em algumas horas ou no amanhecer do dia que estava para chegar ou no dia que você sumiria de vez. E com a mesma fé, eu rezava ao universo para fazer o tempo parar. Parar ali, naquele instante que você era meu e eu era sua e todo o resto não importava mais.
Houve dias que eu achei que o universo tinha atendido o meu pedido e parado o tempo, mas ai o telefone tocava, a hora de despertar para a realidade que nos aguardava. Por vezes, você nem tomava o café que eu preparava, me dava um beijo na testa e dizia que precisava ir (estava sempre atrasado para uma reunião) e saia pela porta. Eu desistia de tudo aquilo, me arrastava para o quarto com um xícara de café e me sentia de ressaca. Você tinha o dom de me deixar de ressaca. Sugava as minhas energias e sumia, por dias, semanas até meses.
“Um dia eu vou ter forças para não abrir a porta” eu falava baixinho para o travesseiro que acolhia as minhas lágrimas mais uma vez.
Por: Francielle Santos
(Foto: Reprodução / OkChicas)