você vai ficar bem

Você vai ficar bem , seja aqui ou lá, você vai ficar bem!“, disse a moça do outro lado da linha do telefone.

Eu nunca esqueci aquela ligação, nem daquelas ultimas palavras que me mantiveram respirando por tanto tempo. Tem mensagens que são como tubos respiratórios, que nos ajudam a continuar respirando quando o ato de respirar fisicamente não é mais natural.

Por dias, eu vi aquela dor me consumir como germes que consomem a carniça que sobra dos bichos depois de mortos. Eu sentia tanta dor e tando desgosto que eu só queria que acabasse logo, fosse o que fosse, que acabasse logo.

Eu sempre tive muito esperança pela vida. Sempre fui apaixonada por aventuras, que qualquer pensamento contrário a vida não me cabia. E quando menos esperei, minhas convicções me traiam descaradamente. Começavam a tramar contra as batidas do meu coração, como quem planeja fazer uma viagem rápida ao litoral. Elas me enganavam, dizendo que podia ser como caminhar na beira do mar, calmamente, sentiria o meu coração bater mais devagar até parar.

Ordinárias! Como podiam tentar me enganar daquele jeito? Mas por vezes, eu parada na minha posição fetal as ouvia e até dava-lhes força e liberdade para fazerem o que julgasse ser melhor. Eu dizia-lhes que me prepararia para aquela viagem. Escreveria cartas para as pessoas mais importantes, apesar de não saber bem que palavras colocaria lá (“o que que se escreve em momentos assim?” eu me perguntava). Procuraria na internet uma forma de deixar registrado para doarem os meus órgãos (mesmo que contra a vontade dos meus pais), eu haveria de ter ao menos meu ultimo desejo atendido. Deixaria um testamento que conteria meu único tesouro por herança: os meus livros deveriam ser doados para algum orfanato da cidade. E era isso. Não levaria nada, até porque não se leva nada em uma viagem definitiva assim.

É assustador, quando você se dá conta que qualquer saída, da mais estupida a mais vil torna-se uma das opções para alivio. Na teoria, não alivia nada todos falam. Porém na prática é tentador e convincente. Muitas vezes, vezes de mais que posso contar e das quais me envergonho, me vi convencida. Dentre todas as opções, era a opção mais imediatistas.

Procurei na internet os diferentes jeitos de fazer isso indolor. Para quem sentia dor todo dia, não queria mesmo acabar sentido dor também. E é assustador como na internet realmente se encontra de tudo. Eu ainda me sinto um etê nessa geração. Não entendo como pode ter tanta informação como essa, rica em detalhes para qualquer pessoa achar. É como entregar o queijo e a faca (o problema é a droga da faca), eu pensava: “essa merda de internet não tem limites“. Mas a verdade é que o limite quem tem que ter é quem está sentado na escrivaninha, na frente do computador procurando por nada e encontrando de tudo.

Encontrei de tudo literalmente; de jeitos, a lugares, até sugestão de melhor momento para sair escondido e desaparecer no universo. Mas nada me atraia aos olhos, por mais que atraísse ao corpo que reclamava o tempo todo. Chegava a dizer a Deus: “Senhor, Tu podes resolver isso, sem que eu tenha que eu mesma fazer” e logo me condenava. Onde já se viu pedir à Deus um negocio daquele? Mas pedia de novo e de novo e de novo… Então me lembrava daquela ligação, de como eu estava chorosa e com o coração arrebentado na varanda do meu quarto em Londres: “você vai ficar bem!“, a moça do outro lado da linha disse e eu me convencia a crer que era Deus me dizendo: “você vai ficar bem!

você vai ficar bem, você vai ficar bem, você vai ficar bem…“, eu repetia baixinho até dormir e ver outro novo dia chegar.

Por: Francielle Santos

(Foto: Reprodução / Pinterest)

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