
— você vai magoar as pessoas certas e ser magoado pelas pessoas erradas.
É o que deveria ser ensinado pelos pais antes de aprendermos que colocar o dedo nos buraquinhos da parede (ao que chamam de tomada e eu chamaria de ensaio) é perigoso e podemos levar um choque. Afinal, todo mundo aprende e supera rapidinho um choque elétrico. Quem dera fosse assim com os choques entre as pessoas que a gente mais ama! Não superei. Como se supera aquelas palavras não pensadas e que cortam como um raio em noite de tempestade? Como se supera os olhares repleto de palavras por dizer e pesados por julgamentos? Como se supera o silêncio de quem quis muito fazer um escândalo ou só encontrar a forma certa de explicar o que doía, mas não fora capaz e não seria nem em mil anos, porquê aprender como expressar suas verdades, sejam elas boas ou ruins não se ensina nas escolas? Então, pra que merda servem as escolas?
— você precisa saber que vai ficar sozinho.
Eu ainda sou a favor de criarmos um manual de sobrevivência para a vida para quem ainda está para chegar. (bem verdade, que para uma geração que mal lê contratos, não sei se um manual seria usado de fato. A próxima geração há de ser melhor que nós, torço por isso!) Ainda idealizando o manual, este teria de começar pelo conselho (regra) numero 1: aprenda a viver sozinho. Porque a solidão chega e a gente nunca, nunca mesmo está pronto para ela. Principalmente, quando essa solidão é o resultado de estar cercado, quase sufocado (e às vezes, eu acho que sou claustrofóbica sem diagnóstico) de um mundo de pessoas e você se sente a pessoa mais sozinha do mundo. Quer ver piorar? É quando você se da conta que a solidão chegou mesmo com você está cercado pelas pessoas que você cria com todo o coração que jamais de abandonaria. Mas elas abandonam. Não por intenção, planejamento. Elas sequer se dão conta disso. Se eu ainda fosse escolher mais uma regra para o manual, eu ainda acrescentaria ao ponto 1: 1.1 – aprenda a viver bem como invisível.
— a manhã pode ser ainda pior que hoje.
E que se foda se vão me chamar de pessimista. Eu prefiro crer, que estou apenas me tornando mais realista e conformada. Por mais que essa constatação me enoje. (não era o que todos queriam? uma eu mais realista?) Agora não venham me criticar. E se criticar, também não me importo mais. Acho que está ai a unica parte boa sobre se conformar, a gente passa a não se importar com quase nada. Mas como eu ia dizendo, amanhã pode ser ainda pior que hoje, mesmo quando você tem uma fé de mover montanhas afirmando que amanhã será melhor e bla-bla-bla. É para isso que serve a fé, para alimentar o que não real, mas pode ser. É o que mantinha o brilho nos meus olhos. Porém, a cada novo amanhã que chegava e conseguia ser incrivelmente pior que o anterior, foi acinzentando tudo. Há de se ter uma fé de ferro para aguentar a crer em dias melhores depois de tantos dias seguidos de inverno. Penso que no fim, o que restou foi me adaptar ao frio contínuo. Isso também me da vontade de vomitar, e até mais, tenho vontade de derreter até sumir em lágrimas. Contudo, alguém tem que dizer a verdade dura sobre a vida, com todo o respeito ou sem respeito nenhum. Não sou ninguém, mas se fosse, escreveria sem mimimi que a vida é exatamente isso: dura, cruel, irreverente, com invernos que podem durar anos – aceite logo, vai doer menos! Porque não ensinam isso nas reuniões religiosas? Me pergunto todos os dias. Antes, ser preparados para os invernos, do que para os verões e primaveras que nunca chegam.
— se amar, saiba que vai sofrer feito um corno e raramente valerá o peso dos chifres.
Se eu fosse presidente, obrigaria os governadores a colocarem outdoors em todos os estados com a seguinte frase: “não ame, mas se amar, saiba que vai sofrer feito um corno“. Evitaria as filas de espera para divórcio, a começar pelas filas de espera para uma data reserva para o grande dia nas igrejas mais bonitas da cidade. Você sabia do tamanho da fila de espera para casar na Paróquia Nossa Senhora do Brasil? É insano, por mais que eu também esperaria o tempo que fosse para entrar de noiva naquela igreja! Entretanto, quem precisa de uma data para um grande dia nos dias de hoje? Quando já se ama antes dos dias marcados, antes até dos encontros, dos primeiros beijos, dos primeiros abraços? Quem precisa de uma data para partir a vida do outro ao meio? Quando já se separa antes das audiências com o juiz, antes da ultima conversa no sofá ou da tentativa de concerto na cama no domingo de manhã? Tudo perda de tempo do próprio tempo que temos. Isso sim é uma tremenda idiotice. Quando se ama já fadado a sofrer feito um corno, se não pela espera de uma vida inteira juntos ou pela espera de uma vida inteira separados.
— cuidado para não morrer antes que o seu coração pare de bater.
Isso também deveria está no manual de sobrevivência. Na verdade, até mais. Deveria ser tatuado no pulso direito e esquerdo como um alerta vermelho dos dias que vale cada misero esforço de falta de ar nos pulmões e da pulsação acelerada do coração. E se parar para analisar o todo, todos os dias, sem exceção, valem todo o esforço. A vida é breve. Alguns dizem por ai. Viva como se não houvesse amanhã. Outros cantam em canções bonitas a beça. Mas como se faz isso na pratica? Como abdicar de todas as pressões, preocupações e principalmente, das expectativas de acerto x erro para fazer isso acontecer mesmo? A vida acontece, quando a gente acontece antes dela. É isso que é foda. Acontecer! Acontecer para a vida acontecer a medida que a gente acontece nela. A pior desgraça na vida de um homem, é quando a morte acontece antes que a vida aconteça dentro dele. Eu sei. Faz tempo que criei o hábito de checar o meu pulso, como quem olha ansioso no relógio a espera de uma boa noticia. Contudo, a cretina da boa noticia nunca chega para me trazer a vida de novo e eu não precisar mais checar que ainda vivo nessa morte mais um dia.
Por: Francielle Santos
(Foto: Reprodução / Retro Wildcard)