a menor chance

— você tem que aceitar que não tem a menor chance

Cochichei para mim mesma às quase sete da manhã, quando finalmente o sono parecia chegar na minha cama. Não era nem meio dia e meu pai bateu na porta perguntando se eu queria ir almoçar na casa do meu primo, que não vejo nem sei desde quando. Coisa incomum pensei eu, nunca almoçamos em lugar nenhum, mas aí aquele minutinho de iluminação clareou o óbvio: eles vão falar de negócios. Recusei o convite, é claro! Nada me tiraria da cama depois de mais uma madrugada a luz do dia emocional para ouvir sobre negócios que eu pouco estava interessada. Virei para o lado e dormi.

As três em ponto a minha 300º (não faço ideia de como se fala isso se eu precisar ler este texto) crônica programada foi ao ar. “Você tem que encarar a realidade” a frase chave, recomendação do meu terapeuta frente à diversos nós que estamos tentando desfazer na minha cabeça. Tão conveniente para o meu momento atual que quase levantei e aplaudi. Consciência ou sarcasmo, tanto faz, mas pareceu ser genial. Virei para o outro lado e dormi.

Era depois das cinco da tarde quando eu finalmente levantei em um domingo bem chuvoso. Fui para o banheiro, lavei o rosto, encarei aquele reflexo que, impressionantemente, ainda estava bem cansado e repeti o pensamento das sete e pouco só que em voz alta: “VOCÊ TEM QUE ACEITAR QUE NÃO TEM A MENOR CHANCE! Não é sobre o quanto escreve. O que escreve. Como escreve. Como edita. Como passar horas procurando uma foto para completar ainda que de forma mística os seus textos. Eles ainda não te são tudo. Você não os torna teus. Não os assume sem maquiagem, sem filtro, sem nicknames. Você não da sua cara para bater com medo das críticas, do que vão achar e por tanto, também se mantém bem escondida das flores a serem jogadas no palco” e eu concordei com(igo) ela.

Há poucos meses atrás (sim, logo quando começou o isolamento – e isso é só outro acaso) eu tive uma crise de identidade ou de certeza se eu viveria mais que alguns meses. Não fui acometida do vírus, nem nada, mas o medo de não ter um pedaço meu a salvo caso o pior me ocorresse, acabou sendo gasolina na fogueira que eu tinha por dentro.

Como se eu precisasse escrever um testamento aos vinte e meio (quanta pretensão!) e eu não tinha nada a declarar nem na declaração de impostos em Abril, então tornei os meus papéis no meu tesouro. Conectei a conta da página do Instagram abandonada e troquei tudo. Criei uma conta no WordPress e dia após dia me dediquei a reescrever o que já tinha escrito, a escrever o que ainda estava engasgado, rascunhado no peito… não daria tempo para escrever um livro inteiro e quiçá, se ele já existisse, convencer algum editor de financiar a publicação. No entanto, o site com os meus pedaços de histórias em crônicas ficaria como meteoros, em algum lugar desta galáxia chamada internet.

Quem sabe, um dia, alguém encontraria por acaso nessas buscas aleatórias do Google ou no Instagram e se apaixonaria, se identificaria ao ponto de me recitar. E eu não seria mais só a Fran tão acinzentada quanto o céu de um domingo chuvoso, mas seria a citação a brilhar os olhos, a aquietar os corações, o trecho publicado por milhares de pessoas. Quem sabe, o meu nome seria pesquisado naquele site Pensador. Quem sabe, uma seleção dos meus melhores textos publicado em um livro de capa dura por título Páginas Reviradas / Enquanto o Meu Coração Bater / Seleção de Crônicas de Francielle Santos / Reescrevo Me … (caso isso aconteça – que seja dedicado ao meu pai Alan Gomes, ao meu autor favorito Pedro Chagas e a minha amiga Ariadne Cléa – ela sabe os porquês).

Contudo, a lucidez rouba-me do sonho. A morte que nunca chegou. A vida que também não chega. Há dias que eu me pego pelo braço, sacudo-me e grito: “ACORDA! REAGE! CHUTA A PORRA DO BALDE OU SEGURA ELE DE UMA VEZ!” mas me falta tudo, mesmo não faltando nada. Me sinto mesquinha, pequena, fraca. Dizem que a vida é para os fortes. Encarar as pessoas é para os fortes. Segurar a vida pelo braço para que ela não te segure pelo colarinho é para os fortes. Eu sou fraca. Preciso aceitar logo, para começar a costurar o que sobrou a partir desse ponto, como quem faz uma manta com retalhos e depois cobre-se com ela nos invernos.

Talvez um dia (eu) aconteça. Eu acorde com uma chamada (só não de video, pelo amor de Deus!) que vai revirar a minha vida do avesso às 07:15 da manhã. Ou o amor toque a campainha, me convidando para comer bisnaga quente com requeijão na padaria para consertarmos as coisas entre nós. Ou quem sabe um e-mail que me levará direto para um retiro por um ou alguns anos praticando Yoga, meditação, vestindo roupas de algodão largas, escrevendo textos sobre reabilitação pessoal ou felicidade e vice e versa, no meio de plantações de arroz na Indonésia.

Quem sabe amanhã tenha uma chuva de notificação de uns milhares de seguidores, directs especiais de admiradores e possíveis editores dizendo: “ei moça, queremos conversar sobre os teus escritos? Que tal um café às 15h00 ? “. Ou então a aprovação daquele entrevista que ainda não rolou, mas já era para ter rolado e a vida voltando ao normal, pedalando pela orla de Copacabana até o trabalho, sentar no calçadão na hora do almoço com Carlos Drummond, falar sobre o mar além do horizonte, sobre a vida além das urgências, escrever um trecho ou outro desobrigada.

Desobrigue-se, disse Clarice Lispector.

Desobrigue-se! Desobrigue-se! Desobrigue-se! “Ah, Clarice se tu soubesses…”

Por: Francielle Santos

(Foto: Reprodução / Finding Jules | Visual Storyteller )

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s