
Não era como eu contava, que havia caído do décimo nono andar. Que um dia estive lá em cima e de repente, estava caindo, caindo, caindo. Um tombo grande, bem feio, que estraçalhou-me inteira. Na verdade, foi uma coleção de quedas, despedidas, quase’s. E cada tombo me quebrou de forma diferente. Alguns mais que outros. Outros causando feridas mais profundas. Dores mais intensas. Quedas que foram roubando-me a coragem, a força, a ousadia, a segurança.
A maioria em seu primeiro estágio. Eu olhava aquela escada – um projeto e tanto, sabia que podia fazê-lo, que o conquistaria, media as probabilidades de acerto e erro. Então, subia o primeiro degrau. Contudo, algo acontecia e como um pisar em falso, um descuido, caia ali mesmo, ainda tão cedo, tão breve, tão instante. E quando no chão, o medo da dor, dos olhos, das vozes soavam-me tão certeiros, que eu preferia abrir mão daquela escada, do que admitir o que quer que tivesse que admitir, do que tentar de novo.
Passava um tempo no chão, apenas sentindo a frustração. Até que avistava outra escada “essa ideia é boa! sei como fazer. posso fazer. pode da muito certo…” ou “essa pessoa me faz me sentir diferente. meu coração pulsa forte. acredito nela. confio nela…“Dava um jeito aqui. Outro ali. Uma muleta emprestava acolá. Esforçava-me ao movimento. Abria o peito. Tomava o impulso. Subia outro primeiro degrau e caia de uma nova escada.
Algumas escadas subi mais de um degrau. Três. Seis. Nove. Um tanto mais ou um tanto menos. Porém, sempre houve algo que saiu do controle, fosse na carreira, fosse nas relações, fosse na percepção de minhas próprias intenções e ambições. Era como se soltasse o corrimão ou os pés não estivessem tão firmes para continuar.
Alguns tombos causaram dores grandes demais. Decepções que assombra as madrugadas. Trouxeram a tona, questionamentos contra a minha própria capacidade de conseguir, seja o que quer que tenha ou que eu queira conseguir. É doloroso olhar para trás e pensar: Caramba, como eu não consegui, entende? Como eu não continuei apesar de…? Ter o frio na espinha da sensação do repetir do ciclo, que te leva sempre do ponto A para o ponto A.
Todavia, a gente volta para o mesmo ponto, mas nunca iguais como na primeira partida. Quer dizer, aquela eu da primeira escada, do primeiro passo, não existi mais. Agora, ela tem cicatrizes ali, arranhões, buracos, dores diferentes sejam elas emocionais, espirituais ou físicas. Mesmo voltando ao ponto de início, sou incapaz de ser a mesma do ponto de início (fantasio a possibilidade de resetar meu eu – ah, quem me dera!) uma eu novinha como da primeira vez, não tão marcada e cansada de muitas outras etapas (That’s Life, disse Frank Sinatra).
A quantidade de dor aumentou. A quantidade de exaustão aumentou. A quantidade de tristeza aumentou. A insatisfação triplicou. A vontade de desistir da vida também se tornou real. Ao mesmo tempo, porque é uma via de mão dupla, a fome pela vida cresce, porquanto mais você se sente roubado da vida, mais você se sente furioso, ganancioso por ela.
Eu que tinha desejos tão banais, sonhos tão óbvios, necessidades tão comuns. Hoje, tão fraca, tão marcada, não me satisfaço com nada que seja banal, óbvio, comum. Parece que quando menor e vazio você se sente diante da vida, do mundo, mais vontades, desejos, sonhos imensos crescem dentro de você. Sinto que estou feito uma granada sem pino, tão pequena, mas se explodir … Cada vez menor e o mundo cada vez maior e eu desaparecendo dentro dessa ilusão toda que vou criando por dentro – tentando sobreviver ao caos.
Passei a viver dentro da minha ilusão, porque ao menos no cenário que eu crio na minha mente eu não sinto dor, não fico na cama o dia todo, eu levanto e faço todas as refeições saudáveis on time, eu corro, eu nado, eu converso com pessoas, eu interajo. Eu sou feliz. Eu tenho paz. Moro em um lugar bonito, aconchegante. Produzo o meu conteúdo, eu impacto a vida das pessoas. Sou alguém que vive muito mais do que escreve e se escreve, escreve sobre estar bem, ser feliz…
No fim, tudo que a gente quer é ser feliz, é poder fazer alguma coisa maior que nós mesmos. Ainda que ao olhar para trás, encontremos os cacos e as cicatrizes.
Uma vez eu li no livro a Arte de Ligar o Foda-se que felicidade é resolver os problemas e ter problemas novos, porque a vida é cíclica e vai haver sempre coisas novas para descobrir, fazer, para ver, resolver. O problema é quando você fica muito tempo no mesmo problema, muito tempo na mesma cama, no mesmo quarto, mofando…
Por: Francielle Santos
(Foto: Reprodução / Dianna 212)