você me ensinou para onde não ir

Ainda me perguntam se eu sinto sua fata. Meu tio, vez ou outra, no meio de uma conversa sobre politica, pandemia, vacina, saudade do Rio na calçada da rua de casa me pergunta de você. Eu digo o óbvio, o comum, pois não sei mais absolutamente nada da sua vida – e ainda bem! No entanto, eu também reconheço, que você marcou.

Já faz tanto tempo! Os sentimentos já estão arquivados em ordem alfabética no armário mais escondido do meu porão. Já não tem foto em lugar algum. Já não tem nada que foi seu ou que você me deu à vista. Já não tem o teu cheiro impregnado em nenhum tecido da minha casa, nem do meu corpo. Eu mal me lembro das tonalidades da sua voz. Sabe aquilo que dizem por aí e que quando está tudo doendo e doendo muito a gente ignora, sobre: “passa viu! vai passar!” então, você passou por aqui.

Contudo, um dia desses me vi flagrada num comportamento parecido que eu tinha contigo quando você me cobrava coisas. Coisas que eu não podia te dá. Coisas que eu sequer tinha pra te dá. Coisas que nunca foram ideais pra mim. Mas naquele instante, num segundo de distração das minhas defesas, você quase se materializou na minha frente na pele de outra pessoa.

Gatilhos – de coisas que eu não tinha e você instalou em mim.
No primeiro momento, eu nem soube o que dizer ou como reagir. Nos minutos seguintes eu silenciei e fui chorar no colo do travesseiro. Tive raiva das impressões equivocadas instauradas na minha cabeça de uma relacionamento que podia dá certo e caminhava numa direção oposta à isso. Senti o medo correndo a mil por hora nas minhas veias. Medo de cometer os mesmos erros. Medo de aceitar o que eu já aceitei. Medo de abaixar a cabeça. Medo de ser massacrada pelo excesso de desconfiança. Medo de não enxergar a verdade e me contentar com as primeiras percepções sobre um outro alguém. Medo de silenciar, de não reagir por mim.

Não me arrependo do que senti por você. Mas me dói profundamente eu ter romantizado as dores que você causou no meu corpo, na minha mente, na minha alma. É sobre essa mania de querer acreditar no contínuo “foi sem querer“, “é porque eu amo tanto você que perco a cabeça vez ou outra…“, “ah, eu não vou fazer de novo… é que isso é que aquilo…” e cicatriz, cicatriz, cicatriz… hematoma, hematoma, hematoma.

Ai vão me dizer: pra tudo tem um lado positivo, uma lição para aprender… e eu mentalmente vou responder: fod*-se!

Ninguém no mundo merece alguém do lado que machuca. Ninguém! Nenhum tipo de abuso, de violência, de invasão, de desrespeito é justa. Ah, mas é que ele vem de uma criação machista, isso e aquilo outro, porque os pais, os avós são conversadores. Não interessa! Se você tem uma criação conservadora como eu tive – de uma família 100% machista e cheia de regra, crenças e de histórias de pessoas da família que abaixaram a cabeça porque naquela época era assim, era assado e bla-blá-blá: reconheça os padrões nocivos e impregnados da sua criação e melhore. Vá estudar, vá aprender a respeitar, vá aprender a aceitar os nãos, vá aprender a valorizar o outro como a ti mesmo, vá ser melhor do que os seus antepassados.

Estamos cansadas de ouvir todo dia a história de uma amiga, prima, tia, vizinha que passou por isso ou aquilo acrescido por um “ mas é porque ele bebeu demais aquela noite” Álcool, não altera caráter. ah, mas ele sustenta a casaNão faz mais do que a obrigação! “ah, mas ele só sabe ser assim” Então que vá viver sozinho! “ah, mas ele a ama tanto que se descontrola… O amor não é violência, desrespeito, escravidão, descontrole!

O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha.
Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor.
O amor não se alegra com a injustiça…

1 Corintios 13 v.4-7

Nenhuma justificativa paliativa absolve um ato de desrespeito, apaga uma marca na pele, na alma. Nada deleta da mente uma situação de constrangimento, a sensação de pavor sobre o que o outro poderá fazer com você. O tempo passa. A gente arquiva. Segue. E às vezes basta um minuto, uma referência, e tudo vem a tona outra vez.

Eu tenho pavor da ideia de ter uma filha num mundo onde a maioria dos homens são violentos e não por uma questão “padrão natural” (e isso pra mim também é desculpa, mas não vou discutir sobre isso hoje) e sim, por prazer.

Homens, melhorem pelo amor de Deus! E ensinem os filhos de vocês a ser ainda melhores que vocês.
Mulheres, não aceitem nada que cause dores em vocês. Se te faz chorar, sufocar, sangrar não é amor, pode ser qualquer outra coisa, mas NÃO É AMOR!

Sobretudo, é preciso saber o que te faz ser, agir, reagir como você é, age e reage, para haver mudança e adaptação de comportamento. É preciso ter coragem e muita honestidade para enfrentar os nossos fantasmas, reconhecer as nossas fraquezas para entender o que é que estamos buscando no outro, o que é que nos prende no outro? Qual é o nosso calcanhar de Aquiles nas relações? E diante dessa nossa resposta tomar uma decisão.

É um trabalho de formiguinha de auto conhecimento. Você precisa saber bem o que é inegociável, inaceitável para você, para saber dizer não. Se preciso fugir, nem que seja pela janela. Só não aceite nada menos do que amor e respeito.

Por: Francielle Santos

Ps.: Se não sabe por onde começar, procure ajuda profissional.
Está tudo bem não dá conta de tudo isso sozinha!

(Foto: flickr)

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