
Você esteve comigo desde o começo cristalino, lembra?
Naqueles dias que verão era verão e inverno era mesmo inverno e a gente sabia bem o que esperar das nossas estações. Nos dias que acordar tinha cheiro de café italiano feito na moka, queijo branco, tapioca com geleia de morango e sorvete de doce de leite com brownie. Tudo ao redor tinha calma ou era a gente quem tinha calma no meio das calçadas esburacadas de Copacabana enquanto nos despedíamos para o trabalho. Dávamos um beijo ou dois ou três, você subia na sua bicicleta em direção ao Centro e eu caminhava para o Arpoador. Sempre olhava pra trás antes de continuar, e você estava sempre lá, olhando pra trás – olhando pra mim, para um último sorriso, um até logo.
Minha vida fazia sentido ou os dias por ali pareciam finalmente completos. Eu tinha um trabalho que eu amava e que me proporcionava estar à passos de um dos mares mais lindo que já vi na vida. Eu tinha amigos. Tinha um lugarzinho para chamar de meu. Tinha você. Tinha cafés bons à beça! Tinha água de coco. Três a quatro vezes por semana eu ligava para o meu pai e como tínhamos assuntos para falar! Eu tinha aquela ligeira satisfação de que era como se os problemas não existissem mais e eu tivesse voltado a ser criança – quando falávamos por horas quando ele chegava do trabalho! As coisas pareciam finalmente no seu devido lugar, ou quase isso. Não, não era perfeito, mas era suficiente! E às vezes, hoje sei, a felicidade está naquilo que basta ser suficiente!
Lembro, de te rejeitar de primeira, de dá “trabalho” – fazer aquele doce como falam, só para ver até onde você ia. E você sempre dava um jeito de ir mais além. Não lembro de dizer sim, mas lembro bem da sensação da pressão das suas mãos me trazendo pra perto, naquela noite de lua minguante, no meio da semana, na calçada da Voluntários da Pátria. Se fecho os olhos, ainda sou capaz de me ver refletida nos teus olhos verdes, o teu cheiro amadeirado e o calor da sua respiração tão perto do meu rosto. Há coisas que são porque precisam ser, pensei! E estava certa. Erámos o que precisamos ser um para o outro – e isso bastava!
Não era amor à primeira vista ou uma dessas paixões que tiram o nosso chão e nos deixa perdidos. Era algo no meio disso, ou algo diferente de tudo isso, eu ousaria dizer. Mas era bom! Era real! E só no que é real é possível construir algo sólido, sóbrio e calmo. Tudo isso pra dizer que a única pressa que eu tinha, era de deitar ao lado da sua calma e me sentir em casa. Coisa rara hoje em dia, não é?
Pois é, e eu aqui, sinto saudades de casa!
E sinto saudades do calor do seu peito,
das ruguinhas dos seus olhos de girassol,
dos seus beijos e
da sua capacidade de navegar os meus rios.
Por: Francielle Santos
(Foto: samlandreth)