
Não lembro quando exatamente eu comecei a jogar fora coisas, roupas, sapatos que eu não queria mais. Sei que eu era muito, muito novinha. O que estava em bom estado eu dava para a minha mãe doar e o que não, ia diretamente para o lixo sem pensar duas vezes.
Às vezes, a minha mãe brigava comigo, pois olhava as sacolas e sempre achava coisas que ainda tinham alguma utilidade ou estavam com carinha de pouco usadas. E era verdade, houve coisas que eu sequer usei, mas em um dia daqueles de faxina no meu quarto, que eu mudava até os móveis de lugar, era descartado. Esse foi dentre outros motivos, o mais forte para eu me considerar uma pessoa absurdamente desapegada!
Até que li calmamente o livro da Marie Kondo – A mágica da arrumação e algumas coisas como, “todo objeto tem um papel a desempenhar” e “cartões de Natal, ano-novo e aniversário cumprem a sua função no momentos em que terminamos de lê-los” me fez pensar na minha caixa de bilhetes e cartas. O único lugar intocado desde que surgiu.
Não tenho a lembrança exata da primeira carta ou bilhete que recebi. Sempre acho que tudo começou com uma amiga que era como uma irmã quando eu era criança. Passávamos as tardes juntas depois da escola e sempre escrevíamos sonhos, ideias, intenções uma para a outra. A minha carta favorita dela foi uma que ela escreveu assim: “eu gostaria a minha casa fosse ao lado da sua, para que quando eu tivesse uma novidade, pudesse contar logo!” frase que ficou gravada no meu coração. Penso, que foi ali que nasceu a minha paixão por cartas e bilhetes coloridos.
Lembro da semana do amigo na escola, podíamos escolher para quantas pessoas escrever, a professora separava um tempo da aula para não só escrever, mas decorar as cartinhas todas, com adesivos, desenhos feitos a mão, purpurina e etc. De todas as datas especiais que comemorávamos na escola, essa sem sombra de dúvida era a minha favorita. Eu amava preparar as cartas e assistir assim, cara a cara, a reação dos meus amigos. E claro que eu amava receber e ler uma por uma, varias e várias vezes, amava ler os adjetivos que os meus amigos e admiradores escreviam a partir das letras do meu nome na diagonal, quem aqui lembra disso?
Foi uma nostalgia só, revirar essa caixa com tantos e tantos pedaços de papéis carregados de palavras doces, engraçadas, afetos, carinho, amor. Voltei no tempo. Voltei a ter aquela sensação de pertencimento. Sorri. Mas é claro que não foi só isso.
De repente, me deparei com bilhetes e cartas sem assinatura e não reconheci mais a letra. E com outras que tinham assinatura, data e mesmo assim, eu não consegui lembrar quem era a pessoa. E houve também aquelas, em que tinham assinatura, data, eu sabia exatamente de quem era, entretanto, essas pessoas já não existem mais na minha vida de hoje e por fim, aquela sensação de papel vazio.
As letras continuavam ali, à frente dos meus olhos, escritas a canetas coloridas, em folhas de papel de caderno decoradas, algumas com desenhos, rabiscos, apelidos que eu sequer recordava que eu tinha tido um dia como, Fufuliete, Abelhinha… todavia, tudo não se passava de palavras, somente palavras. Foi então que me ocorreu a seguinte pergunta: O que são as palavras sem as pessoas por trás delas? Nada. Será que mantemos as palavras escritas de amor por temermos nunca mais receber (ser amada) assim de novo? Será que as guardamos para assegurar aquela tal convicção do que um dia foi real?
O que Kondo diz faz sentido, cartões (como os tantos que ganhei de aniversário de 15 anos), as cartas de amigos(as), paixões, ex-amor, os bilhetes de colegas, paqueras, cumpriram a sua função no momento em que terminei de lê-los quando os recebi.
Não. Eu não rasguei tudo e joguei fora. No começo desse processo de descarte de lembranças boloradas e de afetos amarelados, eu quase considerei não descartar nada. Me vi apegada as palavras de carinho de pessoas que eu nem sei mais quem são. Nem tudo foi descartado, como os desenhos que ganhei ou aquelas cartas de amigas, que por mais que eu não faça ideia de onde elas estão, ainda assim, quando eu reli, eu sorri como se tivesse acabado de receber.
Respirei fundo, bem fundo e comecei a rasgar, rasgar, rasgar… até que enchi uma sacola grande. E depois, claro, eu fiz uma fogueira! (esse “ritual” é uma coisa que compartilharei sobre outro dia). A sensação é de leveza, ligeiramente estranha/desconhecida. O que também entendi é:
Existem palavras que se apagam com o tempo sem a existência do remetente.
E existem afetos que subsistem o tempo, a distância e até o não saber.
Por: Francielle Santos
Ps.: eu tenho saudade de escrever e receber cartas, você não?
(Foto: Emily Archer)
Seu texto me fez pensar. Eu não tem muitos bilhetes guardados, mas tenho tendência a guardar tudo. Eu guardo até rascunhos. Eu coloco uma data em cada pedaço de papel que eu escrevo para saber exatamente quando foi que eu escrevi aquilo. Eu mantenho salvo até conversas do celular, e-mails e fotos de pessoas com quem eu não tenho mais afinidade. É como se apagar aquilo fosse apagar minha história. Eu ficaria sem onde recorrer para saber os detalhes. São dados brutos que eu posso precisar a qualquer momento.
Eu ainda estou definindo os limites saudáveis dessa tendência. Mas eu sei que nem sempre eu fui assim. Acho que começou quando eu precisei de uma informação e eu tinha esquecido, talvez aos 13 ou 14 anos, porque eu não tenho nada guardado que remonte a antes de 14 anos de idade. Vou pensar sobre o assunto e fazer uma limpeza.
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eu acho que a essência do desapego é você ter a consciência do que hoje é realmente útil e tem valor para você. de repente, você pode tornar as melhores anotações em um e-book pessoal – ou um caderno especial escrito todo a mão – como um diário – organizar, reescrever pode te ajudar a entender o porque você precisa tanto de todos esses papéis e mantê-los de forma que você os possa consultar vez ou outra. a grande questão, ensina Kondo, que a gente guarda uma quantidade absurda de anotações, apostilas etc, com a intenção de voltar lá em outro momento para ler e consultar – mas raramente ou nunca isso acontece. (leia o livro, vai te ajudar a entender melhor os conceitos) e tem a série minimalismo no Netflix – explica bem sobre isso tbm.
outro ponto importante é: a sua história não pode ser apagada, porque ela já estava escrita muito antes que você fosse formado no ventre da sua mãe (é bíblico, e eu já percebi que você conhece esse caminho). Preocupe-se com o viver o hoje. Você não tem mais nada para fazer sobre ontem. Tão pouco com o amanhã que só a Deus pertence.
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Vou pesquisar sobre o conceito dela. Já estou fazendo um caderno de lembretes para usar numa emergência emocional. Será que eu vou conseguir descartar todo o desnecessário? Eu realmente sinto um peso por manter tanta coisa. Acho isso realmente merece mais da minha atenção.
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as respostas estão aí dentro de ti, viu. // e faça se realmente achar que deve e com o coração em paz // por experiência, quando eu mexi nessa caixa em questão eu estava bem, mas algumas coisas mexeram bastante comigo – contudo, não me tirou do “estar bem” e houve também algo curioso que ainda vou escrever melhor depois que foi, eu descobri algo que eu esperei a vida toda, mas acho que quando eu recebi e li, eu estava tão cega de mágoa que não me dei conta – logo, foi um alívio. 🙂
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