
Acho que agora entendo Clarice, quando disse que aquele coração estava vazio de si porque precisavas ser admirável. Eu também tenho precisado esvaziar o meu coração de mim para ser admirável ou algo próximo a isso. Não que eu ache verdadeiramente que essa seja a melhor saída, mas ao menos é uma saída, não é? E às vezes, o que basta é justamente escapar por alguma porta de emergência que nos salve se não da maldade dos outros, da nossa própria maldade.
Tenho estado tão cansada do fardo de ser quem eu sou. A verdade é que nem deveria ser um fardo, mas é e é difícil lidar até mesmo com essa verdade. Tenho estado tão cansada do peso de ser quem precisam que eu seja. Confesso que a exaustão é tanta que tenho ignorado mensagens aos domingos, mas só aos domingos ou pelo tempo máximo que posso ignorar. Por vezes me sinto usada. E me sinto mal por pensar assim. Talvez eu seja uma grande egoísta. Talvez eu não queira mais ajudar ninguém, não queira mais fazer favores, você me entende? Recorrem a mim como se eu fosse pai, mãe, padre num confessionário, advogada, juíza… eu já não aguento mais tantas vestes que me vestem tão mal. Sabe aquela sensação dolorosa de sapato apertado? Pois é. Talvez eu não seja nem de longe essa pessoa gentil e amigável que pensam, e que parece amar estar disponível e acessível para o que precisam. Ou talvez eu até seja, mas estou cansada! Cansada do tempo que me é tirado.
Sobretudo, tenho saudade de mim. Já não lembro tão bem dos meus traços, dos meus feitos, dos meus risos, do brilho nos meus olhos, e é isso que me entristece. Já não lembro do tom da minha pele de antes. Já não lembro do perfume. Já não lembro de como me sentia, quando antes eu era só eu e não precisava deixar de ser para ser isso que chamam de admirável. É um buraco. Percebes? Quando a gente se olha no espelho e já não sabe bem quem é que está do outro lado.
Não deveria ser assim, né?
Por: Francielle Santos